7h50. Como de costume logo que acordei deparei-me com as mensagens enviadas de madrugada na caixa de entrada do chat. Não haveria aula aquela manhã, de modo que estendi relaxadamente o corpo como quem é confortavelmente entorpecida. Lenta, levantei, tomei os remédios e o café, fumei o primeiro cigarro do dia e banhei-me em uma desproporcional e incoerente água quente. Fazia calor lá fora.
A primeira tarefa do dia constituía-se pela escolha de uma nova leitura, o que implica, essencialmente, em uma atenção sensível aos próprios humores, desejos, vibrações. É uma escolha difícil e definitiva, pois torna-se uma aceitação consciente e ativa de uma bem provável operação sentimental e intelectual que pode (ou não) te transformar indefinidamente. Passei os olhos pela estante decidida por encontrar um romance. No dia anterior havia terminado São Bernardo e logo me deparei com outro de Graciliano, dessa vez era Angústia. Queria um texto novo, esbarrei em Hesse. Rosshalde que comprei a R$3 em um brechó à céu aberto no Largo do Machado. Não. Não são tempos de Hesse. Pulei. Foi quando me deparei com uma capa de um laranja estrondoso que revestia 629 páginas de uma biografia recente dos Smiths. The Smiths: A light that never goes out de Tony Fletcher. Era ele, mas hesitei. Um livro grande, apesar de não muito pesado. Temi sua inadequação às proporções da minha bolsa ou talvez aos espaços de minha leitura – que envolviam ônibus, metrôs e filas. Hesitei, mas segui a intuição. Sai de casa com fones nos ouvidos, o livro na bolsa e o coração aberto – e agora juvenil – para as linhas que me aguardavam.
O dia de sol evidenciava minha satisfação matutina. Resolvi ir a universidade, queria ler arduamente. Entre algumas faixas musicais me dediquei prazerosamente à decifração dos muitos signos que preenchiam aquele papel off-white. Pensava também sobre as cópias e mais cópias que deveria ler para as disciplinas do curso. Estava ensolarada, o que significava, pois, disposta a ler todas as linhas do mundo ou, pelo menos, todos os desejos pessoais de leitura, o que, afinal, é quase a mesma coisa.
Além do impulso à leitura, um dia bonito daqueles. Era quinta-feira, dia de epígrafe. Foi assim, depois de todas as impressões sobre aquele recente 30 de outubro que me encontrei com O Anti-Newton, texto curto e potente e, assim como os outros textos da autora, videntes, precisos e um tanto alegóricos.
Descobri que estava louca (ou talvez feliz), (ou talvez só alegre). Não sei, louca comportava melhor os impulsos de euforia silenciosa daquele meu estado de espírito. Por todos os lados, entre as linhas de Fletcher e as linhas invisíveis que do sol chegavam até mim, pensava como louca na alegria suave e jovial que ela me causava. Repeti sorridente o que as linhas de O Anti-Newton, de um jeito ou de outro, decifraram de mim.
“- deixa eu beijar todos os meus beijos guardados na sua boca. são apenas beijos e não têm a gravidade da gravidade!”
Não riram, nem murmuraram ao redor. Minha loucura era silenciosa e gentil, não derrubava papéis e pessoas pelo chão.